Sobre Paulo Soares

Paulo Soares é um dedicado líder comunitário com uma longa trajetória na defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV e AIDS. Ativo na CAPHIV, Paulo é reconhecido por seu trabalho incansável em prol da saúde, inclusão social e apoio às pessoas em situação de vulnerabilidade. Sua trajetória é marcada pelo compromisso com a solidariedade e a transformação social.

Publicado em:
13 de setembro de 2024

Casos de remissão do HIV: Caminhamos para a cura?

A sociedade médica mundial celebrou, nas últimas semanas, o caso de um paciente que está há cinco anos sem o uso de medicamentos para o HIV e sem sinal de retorno do vírus, o que é considerado um quadro de remissão em que o indivíduo é considerado “curado da infecção”. A notícia – que, sem dúvida, é muito boa e animadora para todos que atuamos na prevenção ao HIV/Aids – foi repercutida em toda a imprensa internacional e, claro, também na mídia nacional.
Uma reportagem do site O Globo, publicada no último dia 25, e assinada pelo jornalista Bernardo Yoneshigue, trouxe o assunto à tona. Ele informa ainda que o caso de remissão do paciente na Alemanha não é o primeiro. “Outros quatro relatos semelhantes foram anunciados desde 2009”, aponta, e conclui: “Mostrando que a ciência consegue de fato eliminar o patógeno de um ser humano.”
Algo completamente impensável no início dos anos 80, quando a epidemia da Aids eclodiu no mundo e alta letalidade do vírus tornou assunto recorrente, é possível afirmar que o cenário mudou muito para as 38,4 milhões de pessoas que vivem com o patógeno – cerca de 960 mil delas no Brasil. A matéria de Yoneshigue pergunta o que todo mundo quer saber: o quão próximos estamos de um tratamento acessível para curar o HIV?
Ele relata, ainda, que os cinco casos de sucesso até agora compartilham algo em comum: foram beneficiados de um procedimento destinado a outra doença, um câncer, porém pensado também para ajudar no combate ao HIV. “Todos precisaram de um transplante de medula óssea e, ao selecionar o doador, os cientistas buscaram alguém com uma mutação genética que levava a não expressão de um receptor chamado CCR5”, acrescenta o jornalista.
Yoneshigue explica que esse receptor é uma proteína que fica na superfície das células do sistema imunológico chamadas linfócitos T CD4, que são os principais alvos do HIV. Ele atua como uma espécie de fechadura por onde o vírus entra na célula. Porém, com a mutação e a ausência do receptor, a célula se torna resistente à infecção, interrompendo a replicação do vírus e eventualmente o eliminando.
Mas é importante ler, com muita atenção, o que dizem os especialistas, como José Valdez Ramalho Madruga, infectologista e coordenador do Comitê de HIV/Adis da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e pesquisador do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo. Ele foi entrevistado pelo jornalista.
“É importante saber que existe a possibilidade de cura, isso gera uma esperança. Pode ser que isso direcione algum dia para uma cura com modificações genéticas da célula para que ela tenha essa característica de não expressar a proteína CCR5. Porém o transplante não é algo possível de se reproduzir em larga escala, é muito arriscado, com mortalidade alta, de 15%”, explica o profissional.
Outro infectologista, Ricardo Sobhie Diaz, que é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisa curas para o HIV, acrescenta que outras tentativas de remissão pelo transplante já falharam. Não é um procedimento com 100% de eficácia. Ainda assim, defende que são feitos importantes, especialmente por terem sido em pessoas com quadros diversos de infecção.
“O mais legal é que os cinco casos foram de diferentes idades, resistências ao vírus, estágios da infecção e gêneros. Então essa diversidade ajuda a entendermos as possibilidades de cura. Agora precisamos encontrar um caminho escalonável para isso. É muito importante continuarmos na busca de uma cura porque, mesmo com o tratamento, o vírus não é algo positivo no corpo da pessoa. E com a cura, e outras ferramentas, seria possível erradicar o HIV”, acrescenta Diaz, conforme a reportagem publicada no site O Globo. Aliás, fica a dica para quem tiver o interesse de ler a reportagem completa. É muito completa e bem embasada.
Mas paro por aqui, com a reprodução do conteúdo jornalístico, que ainda destaca outras pequisas e formas de curas para o HIV. A minha preocupação, como alguém que está à frente de uma entidade que atua na prevenção a infecções sexualmente transmissíveis, sendo a Aids uma das mais relevantes neste processo, é defender, evidentemente, a continuidade das pesquisas, mas lembrar que é preciso manter a prevenção e o trabalho de conscientização em torno de minimizar os riscos.
Em edições passadas desta coluna, eu tratei como o abuso de drogas, principalmente de cocaína e crack, potencializam os riscos de infecção pelo HIV, tornando essa população vulnerável. Porém, nunca é demais repetir que qualquer pessoa, principalmente com vida sexualmente ativa, pode contrair doenças como a Aids – e, claro, dentre outras, como Sífilis e Hepatites Virais.
O trabalho da Caphiv, com sua equipe de multiprofissionais, que atua diariamente na rua, em nossa casa de atendimento e em outro tantos espaços de orientação, é contribuir para que as pessoas fiquem não apenas informadas, mas também fiquem atentas, que não baixem a guarda e não achem que “comigo não acontece”. Todos estamos vulneráveis, todos temos que nos cuidar.
As notícias sobre uma possível cura da Aids devem ser comemoradas, sem dúvida, mas não podemos deixar de enfatizar que o caminho ainda é longo, cheio de obstáculos e dificuldades. Por isso, a prevenção é a ‘cura’ que temos ao alcance da maioria da população, sobretudo de quem está mais vulnerável.
Cuide-se. Previna-se. A vida deve estar sempre em primeiro lugar!

Paulo Soares, presidente do Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids e Heptatites Virais).

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