O começo do mês de junho é, particularmente, muito significativo para pensar o papel da imprensa sob tantos aspectos importantes. É que no dia 1o de Junho é celebrado o Dia da Imprensa – data que marca a circulação do primeiro jornal no País, “Correio Braziliense”, editado em Londres em 1808 por Hipólito José da Costa – e o dia 7 de Junho, que celebra o Dia da Liberdade de Imprensa, data que recorda o dia em que um manifesto contra a censura da Ditadura Militar (1964-1985) foi divulgado e assinado por quase três mil jornalistas em 1977.
Toda essa introdução é para trazer ao tema da coluna desta semana. O papel – fundamental! — que a imprensa tem no combate à epidemia da Aids, buscando não só apresentar informações de qualidade, evidentemente, mas também em manter a sociedade atenta a eventuais momentos de relaxamento e dispersão sobre prevenção.
Para contribuir nesta reflexão tão importante, eu trago aqui, neste meu espaço de reflexão e informação, algumas partes que julguei importantes dentro deste tema, que integram a conclusão de um estudo publicado por Ana Cláudia Condeixa de Araújo, no programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) da Fiocruz, intitulado “A Aids e a imprensa: as vozes e os silêncios nas reportagens do Dia Mundial da Luta Contra a Aids de 1988 a 2013”, em que ela analisou a cobertura dos jornais Folha de São Paulo e O Globo:
“(…) podemos concluir que, no decorrer de 25 anos do Dia Mundial da Luta Contra a Aids, a imprensa deu atenção à epidemia. Ao todo, foram 283 matérias, sendo 89
matérias no jornal O Globo, e 194 na Folha de São Paulo, incluindo as capas. Foram editoriais, matérias, artigos, reportagens e entrevistas relativos às ‘comemorações’ à data – ou não –, mas que tinham alguma relação com o tema. (…) Partindo de nossas hipóteses iniciais, não podemos afirmar que o interesse da imprensa pela epidemia de Aids diminuiu a partir de 1996, quando o Programa Nacional de DST e Aids lançou o primeiro consenso em terapia antirretroviral (regulamentação da prescrição de medicações para combater o HIV), momento em que foi decretada uma lei que garantiu o direito à medicação gratuita para tratamento e disponibilizado o AZT venoso na rede pública. As capas se dividem em oito anos antes de 1996 e oito anos depois. A partir da queda no número de óbitos, em função das novas drogas e de um maior investimento no tratamento do HIV, é possível acompanhar nas capas dos jornais as diversas transformações da doença. (…)
Também não podemos afirmar que, uma vez convencida de que a Aids não matava mais, a imprensa não contemplou da mesma forma os novos cenários, o novo perfil de doentes, as mudanças de rumo do HIV. O que nossa pesquisa mostra é que há um acompanhamento, mas que sai das capas e segue no interior dos jornais. A suposta desatenção com a epidemia, que poderia contribuir para a desinformação de um grupo que hoje é fatalmente acometido pelo vírus, como os jovens em especial, também não se pode comprovar a partir de nossa pesquisa. (…) A divulgação sobre a epidemia não é uma atribuição exclusiva da imprensa, mas também dos órgãos de saúde, da comunidade científica.
Igualmente, não se pode afirmar que a imprensa seleciona aquela informação que mais se adapta a sua linha editorial. Os jornais seguiram aquilo que os órgãos de saúde definiam como correto. Por exemplo, as denominações grupo de risco, comportamento de risco e vulnerabilidade foram definidas pela OMS, e não pela imprensa. Obviamente, a relação preconceituosa quanto aos homossexuais, drogados e profissionais do sexo também não é invenção ou privilégio da mídia, que apenas faz parte da sociedade e, por conta disso, reproduz seu discurso.
Nossa pesquisa também não comprova nossa hipótese de que o fato de a AIDS deixar
de ser uma doença de homossexuais, drogados e prostituídos gerou a perda de valor para a imprensa. O que ocorre – e que pode ser observado em nossa pesquisa – é que a preocupação com a epidemia de forma contundente se dá enquanto ela faz muitas vítimas e gera muitos óbitos. A partir do momento em que se vive com AIDS, há um desinteresse da sociedade como um todo. O leitor também não se interessa por saber, e isso pode, sim, explicar porque atualmente, a AIDS volta a ser um problema entre os jovens. Também não podemos afirmar em nossa pesquisa que o fato de a epidemia ter avançado sobre as famílias e os lares possa ter chamado menos atenção dos veículos de imprensa. (…)
A divulgação da AIDS não teve o tempo todo efeito moralizante, muitas vezes se pôde ver a humanização dos pacientes, compreender e aprender sobre prevenção e revelar problemas enfrentados por todos os envolvidos com a questão no Brasil. Entretanto, não se pode esquecer do papel que desempenhou ao lembrar, constantemente, a população de seus deveres morais em frear a epidemia e, especialmente, dos “erros” que os soropositivos teriam cometido para terem sido contaminados. Devemos considerar que esse problema ganha força em virtude da
escassez de informações e de meios de se chegar à população, deixando a mídia incumbida de fazer o papel de informar sobre a epidemia. (…)
Se há alguma coisa boa em tanta dor e em tantas perdas é que a AIDS propiciou que milhões de lésbicas, gays, travestis, bissexuais e transexuais não pudessem mais ser escondidos. (…) Foram os gays, responsabilizados pela epidemia, que partiram para o enfrentamento e para a luta pela prevenção e pelos cuidados aos doentes, tanto que se pode observar, a partir de um dado momento, uma mudança no perfil infectados dentro da sociedade. (…)”
Paulo Soares, presidente do Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids e Heptatites Virais).
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