A minha experiência em atuar como gestor de uma entidade como o Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids e Hepatites Virais), ao longo de mais de uma década, tem me mostrado, na prática, que alguns dos problemas sociais de grande abrangência, como o consumo e vício em drogas, está diretamente relacionado com a infecção de doenças sexualmente transmissíveis.
O que é possível observar no dia a dia do atendimento que é realizado por equipes de abordagem nas ruas e nas entidades onde são acolhidos pacientes com estas características, também tem sido uma preocupação crescente de quem estuda na academia estes temas correlatos. São situações que se potencializam e se retroalimentam, colocando as dificuldades de ambos os tratamentos em patamares mais complexos.
Estudo assinado pelo farmacêutico Gustavo Roberto Villas Boas, graduado no Centro Universitário Católico do Sudoeste do Paraná, e pelo psiquiatra Tiago Pauluzi Justino, professor da Faculdade de Ciências da Saúde da UFGD, demonstra essa intrínseca – e perigosa! — relação que é somada pelo vício na cocaína e a Aids.
Em texto publicado no site cienciasecognicao.org, eles detalham que a associação entre a dependência do uso de cocaína/crack e a infecção pelo HIV atuam de forma sinérgica no comprometimento do SNC (Sistema Nervoso Central). “O HIV é um retrovírus neurotrópico que infecta as células da micróglia, levando a produção de citocinas, que, por sua vez, vão causar perda neuronal no córtex cerebral e danos na árvore dendrítica sináptica”, escrevem. “A dependência é uma doença crônica e recidivante em que o uso continuado de substâncias psicoativas provoca mudanças na estrutura e no funcionamento do cérebro”, acrescentam os pesquisadores.
Villas Boas e Justino apontam, ainda, que as duas doenças possuem muitas semelhanças e pontos de convergência interessantes de serem analisados. “A epidemia de Aids surgiu, no início da década de 1980, acometendo grupos populacionais bem delimitados (homossexuais masculinos, usuários de drogas intravenosas, hemofílicos e haitianos”, lembram, ao apontar um estudo do governo dos Estados Unidos, realizado em 1981. “Nesta mesma década da explosão da doença, o crack se popularizou nos EUA, também transitando em redes sociais semelhantes às dos pacientes com HIV”, acrescentam, ao também identificar que o estigma social – tanto da dependência química quanto da doença — é outro fator importante presente nas duas patologias e que dificulta muitas vezes o diagnóstico precoce e o início do tratamento, podendo contribuir para baixa adesão ao tratamento.
Os pesquisadores acrescentam, ainda, que tanto as drogas como a infecção pelo HIV provocam mudanças no SNC, alterando a atividade neuroendócrina e as vias de neurotransmissão dos neurônios. “O HIV atua de forma direta invadindo as células da micróglia e ativando a reposta imunológica. Já as drogas, como a cocaína e crack, ativam de forma indireta o sistema imunológico”, apontam, e concluem: “Este processo levará a alterações neurocognitivas e neuroinflamatórias observadas em ambas as doenças, ocasionando comprometimento psicossocial e altas taxas de morbidade e mortalidade.”
Cientificamente, os pesquisadores se aprofundam em outros aspectos referentes ao impacto da doença e das drogas no Sistema Nervoso Central, mas eu não me ater essas questões, que são mais ligadas às pesquisas voltadas ao tratamento médico. O meu interesse é demonstrar, a partir de um estudo científico, o quanto o atendimento aos pacientes precisam ser multidisciplinares.
A nossa preocupação, com o atendimento no Caphiv, e em todos os outros projetos que desenvolvemos, é buscar, primeiro, a prevenção das doenças e, depois, o tratamento; mas também, quando desenvolvemos atividades de lazer, como Cineteca, por exemplo, estamos em busca de oferecer para os nossos atendidos novas formas de entender a vida, oferecendo caminhos que são diferentes daquilo que se encontra em forma de substâncias químicas pelas ruas.
É um trabalho árduo, que envolve muita dedicação de profissionais de diferentes áreas, como assistência social, enfermagem, agentes de saúde, psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas, enfim, uma equipe técnica que precisa trabalhar de forma entrosada para que possa buscar bons resultados.
Afinal, quando enfrentamos situações de pessoas com a HIV e dependentes químicos, acima de tudo estamos tratando com seres humanos que precisam de auxílio, de atendimento e de acolhimento.
Paulo Soares, presidente do Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids e Heptatites Virais).
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