Na semana passada, tratamos neste espaço os efeitos neurais promovidos pela relação entre a cocaína e a Aids, com problemas que se somam e agridem com ainda mais força o Sistema Nervoso Central (SNC). Hoje, coloco a minha preocupação em torno de como o uso de crack potencializa a contaminação de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), sobretudo pelo HIV.
Os números são assustadores – posso afirmar, como alguém que atua diretamente com o público vulnerável a essa situação – e infelizmente são reais. Levantamentos feitos pelo Ministério da Saúde apontam que, enquanto a incidência de pessoas vivendo com HIV/Aids é de 0,4 a cada 100 mil habitantes no País, entre usuários de crack a proporção é mais de 12 vezes maior, atingindo 5 a cada 100 mil.
Se o foco passar para as mulheres que são usuárias desta droga, a situação é a ainda pior. A taxa alcança oito a cada 100 mil, 20 vezes superior à média da população em geral. Essa característica mais específica se dá por um outro problema atrelado ao estilo de vida destas pessoas: para conseguir as drogas, muitas mulheres se prostituem e, no ato sexual, os preservativos são não só ignorados, mas muitas vezes se exige que não sejam utilizados.
Essa situação reforça o que nós, da Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids e Hepatites Virais), conseguimos saber da prática. As ações de prevenção e de contenção de danos devem ser compostas de ações que unem uma equipe multiprofissional, buscando recuperar a pessoa a partir de uma situação de dependência física pela droga, mas também que uma dependência em torno da consequência para obter recursos financeiros que a colocam em um risco alto. Nunca é demais enfatizar a informação, para a prevenção, mas sobre o atendimento médico e psicológico, de apoio social, com o objetivo de superar essa situação.
DIA NACIONAL DE COMBATE ÀS DROGAS E AO ALCOOLISMO – Na próxima segunda-feira, 20, será lembrado mais uma data para mobilizar a sociedade em torno da necessidade de governos em todas as esferas atuarem pela prevenção ao uso de drogas e alcoolismo. Vale lembrar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dependência em drogas lícitas ou ilícitas é uma doença e um problema de saúde pública que deve ter atenção de todos os países.
O uso indevido de substâncias como álcool, cigarro, crack e cocaína é um problema de saúde pública de ordem internacional que preocupa nações do mundo inteiro, já que afeta valores culturais, sociais, econômicos e políticos. O alcoolismo é uma doença crônica, com aspectos comportamentais e socioeconômicos, caracterizada pelo consumo compulsivo de álcool, na qual o usuário se torna progressivamente tolerante à intoxicação produzida pela droga e desenvolve sinais e sintomas de abstinência, quando a mesma é retirada. Além da já reconhecida predisposição genética para a dependência, outros fatores podem estar associados: ansiedade, angústia, insegurança, fácil acesso ao álcool e condições culturais.
De acordo com informações de estudos recentes, nos casos mais agudos de abuso de substâncias, a rede assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS) carece de serviços de emergência e cuidados hospitalares de maior complexidade. Por outro lado, os serviços de reabilitação da Rede de Atenção Psicossocial também têm apresentado atualmente subfinanciamento e pouca infraestrutura de ordem física e de recursos humanos, o que dificulta um trabalho articulado, em rede, com foco na inclusão e no desenvolvimento do protagonismo e autonomia dos usuários, nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD).
As ações preventivas devem ser planejadas e direcionadas para o desenvolvimento humano, com incentivo à educação, à prática de esportes, à cultura, ao lazer e à socialização do conhecimento sobre drogas, com embasamento científico.
Cabe lembrar que o abuso de drogas é um fenômeno complexo e envolve fatores de risco que colocam os indivíduos propensos ao uso abusivo, como baixa autoestima, relações familiares disfuncionais, pobreza, fácil acesso às drogas, baixo rendimento escolar/baixa escolaridade.
Fatores de proteção que, ao contrário, diminuem as chances do uso abusivo, tais como: desenvolvimento de habilidades interpessoais, sociais, cognitivas e de conhecimento de sentimentos e emoções, devem ser privilegiados nas estratégias de prevenção para a redução dos fatores de risco.
Temos, portanto, a plena consciência de que os efeitos potencializados em decorrência do uso de drogas, como o crack, são difíceis de ser combatidos, mas não desistimos. Dia após dia, estamos com as nossas equipes nas ruas para atender o público-alvo, nunca perdendo a esperança e sempre focado em contribuir para que tantas pessoas possam ter sua vida plena e com saúde.
Paulo Soares, presidente do Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids e Heptatites Virais).
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